Resoluções

Camila Elias
4 min readJan 1, 2022

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Hoje é 1° de janeiro de 2022, um sábado à tarde em que eu deveria estar viajando, mas (por conta do trabalho) aqui estou: ligando meu computador pela primeira vez no ano.

E antes de voltar a fazer a mesma coisa que fazia ontem — como já dizia Humberto Gessinger: Um gosto amargo na boca e a certeza de que o último dia de dezembro é sempre igual ao primeiro de janeiro — vim jogar umas palavrinhas ao vento.

A gente fica pensativo nessa época do ano, né? Nada muda, são só convenções, datas comerciais, calendários definidos por homens e mulheres, como você, como eu. Mas toda essa agitação, a esperança de uma vida melhor, novas possibilidades, um livro com 365 páginas em branco para completarmos… botam a gente comovido como o diabo, né Drummond?

Sei lá, mas olhando ao redor, talvez eu esteja vivendo do jeito errado.

Vejo as pessoas com seus sonhos megalomaníacos, seus planos mirabolantes para uma vida de luxo após ganhar a mega da virada… e simplesmente não consigo me identificar com o sentimento. Queria me sentir parte desse todo.

Mas meus sonhos, à primeira vista, são mais simples. Simplórios. Bestas.

Que minha mãe seja feliz.
Que meu cachorro milagrosamente viva muito mais que o padrão de sua espécie.
Que meus sobrinhos, afilhados, enteado e todas as crianças do mundo cresçam num mundo bom e com menos desigualdade.
Que eu receba o amor e carinho que costumo dedicar aos outros.
Que meu amor, meus amigos, familiares… vivam com saúde e em paz.

Mas nenhuma dessas coisas depende de mim. Eu só desejo, só espero. Claro, ajo também, à minha maneira: dou carinho para minha mãe, faço de tudo pela saúde do meu cachorrinho, tento mudar o mundo para a próxima geração. Sou gentil com todo e qualquer ser que vive na Terra (exceto os de sobrenome “Bolsonaro” e sua corja), faço minha parte para um mundo mais sustentável. Mas a verdade é que, sozinha, só arranho a superfície. Sei que não estou sozinha nessa. E que, no fundo, todo mundo quer “a paz mundial”, como as misses que fingem que leem O Pequeno Príncipe.

(Nesse momento me lembro que não estou mesmo sozinha. O principezinho, ele mesmo, já me disse que estamos juntos nessa: Se dissermos às pessoas grandes: Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado… elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma ideia da casa. É preciso dizer-lhes: Vi uma casa de seiscentos contos. Então elas exclamam: “Que beleza!”)

Ok, não vou negar, tenho também minhas ambições: viver com conforto, numa casinha legal e silenciosa com muito verde e uma rede pra balançar, que eu ganhe o suficiente pelo meu talento para não precisar trabalhar demais, que eu consiga fazer uma ou outra viagem, aprenda algumas das aptidões artísticas que tanto admiro nos outros.

Mas confesso que sou preguiçosa. SIM. Confessado. Gosto do aconchego, do soninho, de dar e receber cafuné, de ver um filme, uma série, um documentário, ler um livro jogada no sofá, recitar poemas pra ninguém, sonhar acordada, deixar para amanhã a rua, as preocupações, o caos do mundo. De sair para a vida só de vez em quando. Só quando escolho encontrar gente, abraçar, rir, cantar… e depois voltar pro meu mundinho vagaroso.

O dinheiro não me encanta. Eu também não me amarro a dinheiro, não, Caetano. E sim, é fácil falar quando você sempre teve de tudo. Já tive muito e já tive pouco, mas sempre o suficiente para viver com dignidade. Não sei o que é passar necessidade. Por isso, acho muito válido quando alguém que nunca teve nada tem acesso a um mundo de luxo. Acho bonito. Acho que deveria ser o lugar-comum. Tão comum que ninguém precisasse ostentar, porque os outros teriam também. Utopia que chama, né?

O momento em que minha família teve mais grana foi também o momento em que meu pai adoeceu. E, embora o dinheiro tenha nos dado a oportunidade de curtir a vida com ele, passear, viajar, comer bem e dar todo o suporte médico necessário nos seus últimos anos… não comprou sua vida. Só o conforto. E é isso que espero do dinheiro, desde muito nova: que ele me sirva. Que ele me traga conforto. Paz. E aí vem o dilema: nenhum dinheiro traz paz quando serve a poucos. Enquanto formos uma sociedade terrivelmente desigual, o dinheiro só vai comprar segurança atrás dos muros e grades dos nossos condomínios fechados. Que nossa indignação não seja uma mosca sem asas e que, finalmente, ultrapasse as janelas de nossas casas, né Samuel?

Uma brincadeira no Instagram dizia que nosso 2022 seria igual à oitava música ali dos stories. Eu tirei “Watching the Wheels”. Minha cara! People say I’m lazy, dreaming my life away. Well they give me all kinds of advice designed to enlighten me…

Achei graça. E lembrei que Lennon pediu para imaginarmos um mundo melhor. Então, aí está. Para 2022, e todos os anos depois dele, minha resolução é lembrar que o mundo pode ter jeito. Que podemos viver como uma comunidade justa, igual, empática.

Lembrar que existiram sonhadores como eu. Drummond, Lennon e Saint Exupéry. Que ainda existem Humbertos, Caetanos, Samuéis. Mas minha resolução é também incluir outras pessoas a essa lista de inspirações (sim, eu tenho muitas outras inspirações, multicoloridas, de todas as idades, gêneros, tons de pele — mas por que será que não sei suas citações de cor? Será que as próximas gerações saberão?). Quero um mundo de oportunidades iguais para pessoas pretas, brancas, amarelas, com todas as orientações sexuais, com diferentes visões de mundo, de todos os cantos do planeta. Que todos possamos viver em paz, com igualdade, em harmonia. Coisa simples, mas tão difícil de conseguir. Será que conseguiremos? Eu já comecei a pelo menos imaginar. Imagine também.

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Camila Elias

Textinhos e textões de uma garota do século passado — escritos no século XXI. https://www.instagram.com/mila_elias/